Apesar de o acirramento das tensões entre Estados Unidos e China ter provocado alguma aversão ao risco nos mercados financeiros, o efeito não foi o mesmo na soja, cujos futuros negociados na Bolsa de Chicago (CBOT) terminaram em alta após novas compras do país asiático nos Estados Unidos. Mesmo com os atritos entre as duas nações se intensificando nas últimas semanas, a China continuou presente no mercado norte-americano adquirindo soja, uma vez que a disponibilidade do Brasil começa a diminuir, com consultorias estimando que restem apenas entre 5% e 10% da safra 2019/20 ainda por negociar no País.
Em uma nova escalada de desentendimentos, a Casa Branca fechou o consulado chinês em Houston, nos EUA, com a justificativa de proteção à propriedade intelectual norte-americana diante do suposto roubo de informações privadas. “Os Estados Unidos não vão tolerar violações de nossa soberania e intimidação de nosso povo pela China, da mesma forma que não temos tolerado as injustas práticas comerciais, o roubo de empregos americanos e outros comportamentos odiosos”, afirmou em comunicado o porta-voz do Departamento de Estado americano, Morgan Ortagus. A China prometeu retaliar e, segundo o editor-chefe do jornal estatal Global Times, Hu Xijin, a resposta deve ser “inesperada” e causar “dor real” nos norte-americanos. “Os EUA devem revogar sua decisão errônea. A China certamente reagirá com contramedidas firmes”, escreveu a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, também no Twitter.
Para a soja, entretanto, analistas se mostraram céticos sobre a possibilidade de a China deixar de comprar nos EUA. Nesta quarta-feira, o Departamento de Agricultura dos Estados (USDA) relatou, pelo sétimo dia útil seguido, vendas avulsas de soja norte-americana. Um volume expressivo foi destinado à China, de 715 mil toneladas. Do total, 66 mil toneladas devem ser entregues no ano comercial 2019/20, enquanto 649 mil toneladas têm entrega prevista para o ano comercial 2020/21. Também foram reportadas vendas de 211,3 mil toneladas de soja para destinos não revelados com entrega prevista para o ano comercial 2020/21. Nos sete dias úteis, o volume negociado de soja pelos EUA totalizou 2,881 milhões de toneladas, sendo 2,013 milhões de toneladas para a China.
Para analistas ouvidos pelo Broadcast Agro, a China continua ampliando importações de soja para garantir suprimento durante a pandemia do novo coronavírus e recuperar rebanhos após a peste suína africana e dificilmente poderia prescindir do EUA nos próximos meses. Segundo o analista Ismael Menezes, da MD Commodities, a expectativa é de que o volume previsto pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) para a importação chinesa, de 96 milhões de toneladas, possa ser atingido ou até superado, para o ano comercial 2019/20, que termina em setembro. Considerando o que a China já importou desde outubro do ano passado, ainda precisaria comprar em torno de 10 milhões de toneladas dos EUA para fechar o seu programa, já que a tendência agora é de oferta brasileira mais escassa. “Por mais que tenhamos esse cenário de animosidade, a China precisa comprar soja nos EUA”, afirmou.
Para o analista, se as tensões sino-americanas se intensificarem, o efeito pode ser sentido na negociação da temporada 2020/21, com a colheita da nova safra dos EUA. “A China vai ter que comprar dos EUA sim ou sim, principalmente nos meses de outubro, novembro e dezembro. Em janeiro já começa a entrar a safra brasileira, aí podemos ter a China voltando a comprar no Brasil, onde já adquiriram volume grande da safra 2020/21 até o momento.”
Segundo a analista Daniele Siqueira, da AgRural, o anúncio do fechamento da embaixada não parece ter afetado o fluxo comercial. A analista destacou que a venda para a China reportada hoje pelo USDA de 715 mil toneladas provavelmente foi fechada ontem, mas circularam rumores no mercado hoje de que compradores chineses estariam cotando preços para novas cargas de milho e trigo nos EUA. “Parece vida que segue na parte comercial. Pelo menos nesse primeiro momento quem precisa de grãos e compra dos EUA está sabendo separar uma coisa da outra. Claro que tem que ver se vai ter retaliação, mas hoje não teve nenhum reflexo de a China parar de comprar.”
Para a analista, no caso específico da soja, a China não vai conseguir comprar muito mais do que já adquiriu do Brasil. “Ou compram dos EUA ou não compram de ninguém”, destacou. Já para a safra 2020/21, o volume contratado para exportação pela China de soja dos EUA até 9 de julho era de 4,6 milhões de toneladas, contra 126 mil toneladas em igual período do ano passado e 1,6 milhão de toneladas na média de cinco anos.
A analista Ana Luiza Lodi, da StoneX, disse que os atritos entre os dois países podem ter algum impacto no mercado de soja se a China optar por retaliação comercial, o que parece improvável considerando as rusgas recentes entre os dois países. “Às vezes as retaliações podem ficar, por reciprocidade, no mesmo campo, como no caso de Hong Kong, em que houve cancelamento de vistos dos dois lados. Por enquanto a gente não está vendo retaliação no campo comercial, mas há sempre uma preocupação de que isso possa acontecer.” A analista, entretanto, reforça que a China precisará de soja norte-americana. “A China já vem intensificando as compras de soja dos EUA da safra 2020/21. O Brasil já está com oferta extremamente restrita de soja, e a Argentina exporta pouco grão. No período que costuma ser mais forte de exportação dos EUA, a China não vai ter onde originar soja em outros lugares.”
Mesmo com os atritos sino-americanos, o Brasil dificilmente repetirá em 2020 o recorde de exportação de 2018, segundo analistas. As projeções giram em torno de 80 milhões a 81 milhões de toneladas em 2020, abaixo dos 83,3 milhões de toneladas de dois anos atrás. “A gente deve embarcar de 80 milhões a 81 milhões de toneladas, e a China vai levar por volta de 60 milhões de toneladas. Para exportar além de 80 milhões a 81 milhões de toneladas, teríamos que aumentar volume de importação”, disse Menezes. Caso de fato o Brasil importe volume maior para abastecer consumidores internos e liberar a produção nacional para exportação, a soja viria principalmente do Paraguai. A consultoria estima que até o fechamento de julho o porcentual comercializado da safra brasileira deve passar de 90%. “É um número bastante forte para esta época, fruto do câmbio atrativo, que contribuiu para a aceleração das vendas.”
Para Daniele, a exportação do Brasil deve ficar em 80 milhões. “Teoricamente, o quadro de oferta e demanda não suporta uma exportação acima disso. Se a China precisar comprar soja, vai ter que comprar dos EUA, porque aqui não tem”, disse. “A gente continua vendo o mercado interno bem agressivo, oferecendo preços mais altos para conseguir originar soja. O Rio Grande do Sul, que teve quebra de safra e exportação firme no primeiro semestre, está precisando comprar de outros Estados e fala-se de importação da Argentina mais para o fim de ano.”
A analista também não acredita que o recorde de exportação de 2018 será superado a menos que a disputa sino-americana reverta as exceções abertas pela fase 1 do acordo comercial. “Só se a China elevar muito os prêmios para levar soja no fim do ano. Mas por que fariam isso se podem comprar dos EUA sem tarifa?”, disse. “Em 2018 era o auge guerra comercial, a China chegou a pagar prêmio de US$ 2 por bushel acima de Chicago no Brasil para não comprar dos EUA. Mas naquela época eles podiam elevar o prêmio porque a soja no Brasil não sairia tão cara quanto a norte-americana com a tarifa. Agora não, essas compras que a China têm feito nos EUA são sem tarifa, porque os importadores pedem ao governo a isenção por conta da fase 1 do acordo e compram soja norte-americana barata.” A consultoria estima que 90% a 95% da produção brasileira estaria comercializada na safra 2019/20.
A StoneX vê 95% da safra brasileira 2019/20 já comercializada, o que significa que, mesmo que a China quisesse buscar mais soja no Brasil, esbarraria na disponibilidade restrita. “O mercado interno também está com dificuldade de comprar soja. Além de a safra já estar muito vendida, ainda teria a competição com indústrias, que estão preocupadas com a disponibilidade de soja para os próximos meses e pagando prêmio para tentar originar.” A consultoria acredita que é cedo para revisar a previsão de exportação do Brasil de 80 milhões de toneladas em 2020, mas não descarta essa possibilidade se houver retaliação comercial da China aos EUA. “Independentemente desse novo capitulo da tensão entre China e EUA, a expectativa já é de um balanço bem restrito aqui no Brasil.”
Conforme os dados mais recentes do Agrostat, computados até junho, o Brasil, exportou em 2020 64,4 milhões de toneladas. A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) espera exportações de 8,8 milhões de toneladas em julho, segundo relatório semanal divulgado na terça-feira. A estimativa se baseia no volume efetivamente embarcado até 18 de julho, somado à programação de embarques até o fim do mês.
Com infomações da AgEstado